Auxílio emergencial e menores restrições devem impulsionar retomada, que não será igual para todos os setores; contudo, fiscal segue gerando cautela
SÃO PAULO – Após um tombo histórico de 9,7% do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre (na base de comparação sequencial), a expectativa é de que os novos dados apresentados para a atividade econômica brasileira, com relação ao terceiro trimestre, reforcem a indicação de que o pior já passou para o Brasil – ainda que haja muitas incertezas no horizonte.
De acordo com a mediana das projeções de economistas compiladas pela Refinitiv, o PIB brasileiro deve subir 9% no período de julho a setembro na comparação com abril a junho, ante queda de 9,7% no segundo trimestre frente o primeiro. Ainda longe de apagar as perdas registradas no ano – na comparação com igual período de 2019, a queda projetada ainda é de 3,5% -, mas já registrando um alívio após o tombo de 11,4% do resultado passado frente o segundo trimestre de 2019.
Os economistas do Morgan Stanley projetam uma alta um pouco menor, de 8,8% na base trimestral, a ser impulsionada tanto pelo consumo privado quanto pelo investimento, que foram beneficiados pelo robusto pacote fiscal do governo através do auxílio emergencial (totalizando cerca de 9% do PIB). As exportações líquidas devem registrar números positivos decorrentes de dados expressivos de exportação, impulsionadas pela demanda externa mais forte, especialmente a China (principal parceiro comercial do Brasil).
“Há duas razões principais por trás da forte recuperação do Brasil no terceiro trimestre”, avalia o banco americano. Em primeiro lugar, o auxílio emergencial, que abarcou mais de 60 milhões de famílias e está mantendo o consumo privado resiliente, com as vendas no varejo já atingindo níveis recordes e o setor industrial próximo aos níveis anteriores à Covid-19.
Em segundo lugar, as tendências de mobilidade sugerem um relaxamento considerável das medidas de distanciamento social: “medidas amplas de restrição parecem insustentáveis no Brasil, dadas a elevada informalidade e a necessidade de gerar alguma renda para sobreviver”, avaliam.
Além disso, eles lembram que, no último dia 13, o Banco Central divulgou o Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br)– indicador considerado com uma “prévia” do resultado do PIB – que mostrou que a economia registrou um crescimento de 9,47% no terceiro trimestre, na comparação com os três meses anteriores, sendo um bom presságio para o dado a ser revelado nesta manhã.
A retomada deve acontecer, mas não de forma equânime entre os setores, conforme ressalta Newton Rosa, economista chefe da SulAmérica Investimentos, que também projeta avanço de 8,8% do PIB na base trimestral (e queda de 3,8% na comparação anual).
“A recuperação será heterogênea, com destaque para o avanço do setor industrial, enquanto o de serviços deve mostrar mais atrasado. Pelo lado da demanda, o consumo deve captar o bom desempenho dos segmentos de bens de consumo duráveis e não duráveis, mas prejudicado pela fraca recuperação dos serviços consumidos pelas famílias. Investimentos devem mostrar expressiva recuperação das perdas, impulsionados, principalmente, pela construção civil”, avalia o economista.
Na mesma linha, Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú, e equipe, ressalta que espera forte retomada em indústria e varejo, enquanto o setor de serviços seguirá lento, ainda ressaltando que a incerteza em torno do número será maior do que o normal porque a série histórica do PIB também será revisada. Os economistas do banco projetam crescimento de 9,0% na comparação trimestral.
Recuperação: a que ritmo?
Olhando para a frente, mas ainda no curto prazo, o Itaú espera que a atividade econômica continue avançando no quarto trimestre (alta de 2,5% na base de comparação trimestral), levando a uma queda de 4,1% do PIB em 2020 como um todo.
Projetando para o próximo ano, o Morgan Stanley ressalta que, após uma queda de 4% do PIB esperada por eles para 2020, a expectativa é de uma alta da atividade econômica nacional de 4,3% no próximo ano, o que deve ajudar a levar o PIB ao patamar pré-pandemia até o terceiro trimestre de 2021.
“Prevemos uma recuperação equilibrada, com a demanda externa contribuindo com o forte crescimento global e a demanda interna sendo auxiliada por um ambiente de taxas de juros baixas. Projetamos inflação bem comportada, o que permite que a autoridade monetária mantenha as taxas em patamares baixos por vários trimestres.”, avaliam.
Os economistas ressaltam ainda que, embora o auxílio emergencial tenha sido responsável pela forte recuperação, ele também trouxe riscos significativos, principalmente uma deterioração considerável dos indicadores fiscais e da dívida.
“Como resultado, os mercados esperam que o Brasil restaure suas regras fiscais no próximo ano, mas as pressões políticas para gastar além do teto permanecem fortes. Eliminar gradualmente o auxílio sem ainda uma saída clara para a Covid é um ato de equilíbrio delicado para os políticos”, avaliam os economistas.
Vale ressaltar que, desde setembro, o auxílio emergencial foi reduzido de R$ 600 para R$ 300 e cada vez ganha mais destaque no mercado o noticiário sobre o que será feito a partir de 2021. A fala do presidente Jair Bolsonaro na última terça-feira de que não é possível estender o auxílio emergencial e as notícias de que o Bolsa Família voltará ao seu modo normal a partir do ano que vem deram alívio aos investidores, uma vez que a questão fiscal tem sido destacada como um dos maiores fatores de pressão para o ano que vem.
Ao mesmo tempo, a expectativa por uma vacina com as boas notícias vindas sobre uma imunização cada vez mais próxima também dá maior tranquilidade aos investidores por conta da perspectiva de reduzir as medidas de restrição. Porém, no curto prazo, o cenário segue desafiador, com o número de infecções voltando a aumentar e o governo em uma trajetória de alta dos gastos públicos.
“Nossos cenários bull [otimista] e bear [pessimista] são fortemente dependentes dos atos de equilíbrio fiscal e do desenvolvimento de vacinas. No cenário otimista, a ampla disponibilidade de vacinas ocorre no primeiro trimestre, enquanto o Brasil mantém seu regime fiscal intacto e faz um bom progresso na agenda de reformas no próximo ano. No pessimista, as mazelas da Covid-19 se estendem e a recuperação gradual da atividade não é suficiente para criar os empregos necessários para diminuir a pressão social. As autoridades decidem seguir com o ‘Orçamento de Guerra’ e descartar todas as regras fiscais, levando à instabilidade e depreciação do real. Isso forçaria o Banco Central a subir as taxas, diminuindo as chances de recuperação”, avalia o Morgan.
Dessa forma, o dado do PIB desta quinta-feira pode mostrar o início de uma recuperação. Mas o ritmo dela ou se a recuperação vai mesmo perdurar, dependerá desses outros fatores.
Fonte: InfoMoney